Dia mundial da ciência para<br>a paz e o desenvolvimento

Frederico de Carvalho

A Or­ga­ni­zação das Na­ções Unidas para a Edu­cação, a Ci­ência e a Cul­tura (UNESCO) ins­ti­tuiu o dia 10 de No­vembro como «Dia Mun­dial da Ci­ência para a Paz e o De­sen­vol­vi­mento». Foi há 15 anos, em 2001, que a de­cisão foi to­mada. Na nossa casa comum – o pla­neta Terra – vive-se dias di­fí­ceis. O bem su­premo que é a Paz está hoje par­ti­cu­lar­mente ame­a­çado. O de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e cul­tural in­dis­pen­sável à cri­ação de con­di­ções de vida digna dos povos do Mundo não pro­gride ao ritmo ne­ces­sário, en­contra-se es­tag­nado ou mesmo re­gride em vastas re­giões do globo. No en­tanto, a Ci­ência, o co­nhe­ci­mento ci­en­tí­fico, avançam mais ra­pi­da­mente do que nunca com cres­cente im­pacte no nosso dia-a-dia. Nem sempre, mas muitas vezes esse im­pacto é mais ne­ga­tivo do que po­si­tivo, com con­sequên­cias ne­fastas sobre as con­di­ções de vida das pes­soas e sobre a sus­ten­ta­bi­li­dade a médio e longo prazo de um de­sen­vol­vi­mento que pros­siga nos moldes ac­tuais. A Ci­ência e as suas apli­ca­ções prá­ticas são um ins­tru­mento ex­tre­ma­mente po­de­roso de trans­for­mação da na­tu­reza e da so­ci­e­dade. São to­davia uma arma de dois gumes. Tanto per­mitem me­lhorar a es­pe­rança de vida como a pro­ba­bi­li­dade e a re­a­li­dade de uma morte vi­o­lenta. É aqui que im­porta dis­tin­guir a Ci­ência factor de Paz e de de­sen­vol­vi­mento, cri­ação de ri­queza e bem-estar, da Ci­ência factor de guerra e des­truição, ma­te­rial e moral, das re­a­li­za­ções hu­manas, do pró­prio Homem e da Na­tu­reza que o sus­tenta.

Não é pos­sível nem de­se­jável im­pedir a pro­cura de co­nhe­ci­mento novo – a in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica que faz avançar a Ci­ência –, seja sobre o mundo na­tural seja sobre os fe­nó­menos so­ciais e a evo­lução das so­ci­e­dades hu­manas. Im­porta to­davia ter em atenção de que forma esse co­nhe­ci­mento novo é apli­cado dis­tin­guindo entre Ci­ência e as suas apli­ca­ções tec­no­ló­gicas.

Novos meios de guerra

No mo­mento em que es­cre­vemos, nu­vens ne­gras en­som­bram o fu­turo da Hu­ma­ni­dade. Para lá dos vá­rios con­flitos re­gi­o­nais em curso, em si mesmo de­vas­ta­dores e origem de crises hu­ma­ni­tá­rias de re­per­cussão global, há sé­rios riscos de de­fla­gração de um con­flito ge­ne­ra­li­zado en­vol­vendo a arma nu­clear que le­varia à ex­tinção da vida sobre a Terra. São riscos re­sul­tantes da po­lí­tica de do­mi­nação global do pla­neta im­posta pelos in­te­resses pró­prios dos cír­culos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros do­mi­nantes da­quela que é, ainda, a maior po­tência eco­nó­mica e mi­litar do mundo – os Es­tados Unidos da Amé­rica.

A guerra, como fe­nó­meno so­cial, tem acom­pa­nhado a Hu­ma­ni­dade desde sempre. A forma que as­sume e os meios que uti­liza têm va­riado no­ta­vel­mente ao longo do tempo, bem como as con­sequên­cias so­ciais e o im­pacte da guerra sobre o meio na­tural. O co­nhe­ci­mento ci­en­tí­fico e os de­sen­vol­vi­mentos tec­no­ló­gicos que per­mite têm desde sempre es­tado as­so­ci­ados à evo­lução dos meios mi­li­tares, armas e sis­temas de ar­ma­mento.

En­tre­tanto, em grande parte do pla­neta, no­me­a­da­mente, no con­ti­nente afri­cano, na Amé­rica La­tina e em vastas ex­ten­sões da Ásia, as po­pu­la­ções de­frontam-se com ca­rên­cias ter­rí­veis: ca­rên­cias ali­men­tares; di­fícil acesso à água, aliás es­cassa; falta dos mais ele­men­tares cui­dados de saúde; es­colas ine­xis­tentes ou de­gra­dadas; es­cassez ou ine­xis­tência de energia eléc­trica ou ou­tros re­cursos ener­gé­ticos. E é no con­texto desta dura re­a­li­dade, que – mos­tram as es­ta­tís­ticas – uma parte subs­tan­cial da des­pesa pú­blica in­ves­tida na Ci­ência nos países mais de­sen­vol­vidos é con­su­mida no de­sen­vol­vi­mento de novas e so­fis­ti­cadas armas e sis­temas de ar­ma­mento. Há grandes la­bo­ra­tó­rios pú­blicos quase ex­clu­si­va­mente de­di­cados à in­ves­ti­gação mi­litar. Para além disso, pro­li­feram os con­tratos entre os mi­li­tares e uni­ver­si­dades com fi­na­li­dades aná­logas. Ramos do co­nhe­ci­mento que, no plano civil, são im­por­tantes e pro­mis­sores, na ro­bó­tica, na energia, nas tec­no­lo­gias da in­for­mação e co­mu­ni­cação, afirmam-se no plano mi­litar com cres­cente re­le­vância. Os cha­mados «drones» e ou­tros dis­po­si­tivos ro­bó­ticos, os la­sers e feixes de energia di­ri­gida, a in­tro­missão ma­li­ciosa ou mesmo des­tru­tiva em sis­temas com­pu­te­ri­zados, dita «hac­king», são já novos meios de guerra, fruto de apli­ca­ções per­versas da Ci­ência e das mo­dernas tec­no­lo­gias.

Acção re­vo­lu­ci­o­nária

A ini­ci­a­tiva da UNESCO que neste dia as­si­na­lamos tem o mé­rito de dar opor­tu­ni­dade a le­vantar junto da opi­nião pú­blica ques­tões cuja li­gação entre si não es­tará pre­sente no es­pí­rito de todos. Desde logo a cons­ci­ência de que a Ci­ência, o co­nhe­ci­mento ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico são não só in­dis­pen­sá­veis como in­subs­ti­tuí­veis no com­bate ao sub­de­sen­vol­vi­mento, eco­nó­mico, so­cial e cul­tural, aliás li­gados entre si. Em se­guida, a cons­ci­ência de que sem Paz o ca­minho para uma vida me­lhor não pode ser aberto, por mais im­por­tante que possa ser a con­tri­buição da Ci­ência.

As formas da vi­o­lência, que se opõe à Paz, são aliás múl­ti­plas, al­gumas dis­si­mu­ladas. Vi­vemos hoje uma fase de in­ten­si­fi­cação mul­ti­forme da vi­o­lência so­cial. Desde logo o con­fisco dos fruto do tra­balho que leva à mi­séria de uns e à ri­queza de ou­tros.

A si­tu­ação ac­tual, re­cheada de pe­rigos, não po­derá ser trans­for­mada por meios pa­cí­ficos. Custa dizê-lo. Cabe re­cordar as pa­la­vras de Lenin 1: «Sob o ca­pi­ta­lismo, e so­bre­tudo na sua fase im­pe­ri­a­lista, as guerras são ine­vi­tá­veis. (…) uma pro­pa­ganda da paz que não seja acom­pa­nhada do cha­ma­mento à acção re­vo­lu­ci­o­nária das massas só pode se­mear ilu­sões (…)».

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1 «O pa­ci­fismo e a pa­lavra de ordem de paz», in «Re­so­lu­ções sobre a guerra im­pe­ri­a­lista», Con­fe­rência das Sec­ções no es­tran­geiro do Par­tido Ope­rário So­ci­al­de­mo­crata Russo, 27 de Fe­ve­reiro-4 de Março de 1915

 



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